NOTA SOBRE O FECHAMENTO DDA FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA

Desde sua campanha eleitoral, o atual governador do Rio Grande do Sul (RS), José Ivo Sartori, disse que faria o que precisasse ser feito para colocar o Estado em ordem. Esse foi seu slogan e, assustadoramente, tem sido seu plano de governo até este último ano de mandato.

Totalmente desprovido de qualquer senso de planejamento, escorando-se no discurso de que importante é o aspecto da gestão, de que todo problema é oriundo da incompetência. Os jargões correntes da teoria administrativa, eficiência e eficácia, resultando em efetividade, predominam na rasa crítica sobre o gerenciamento estatal. Governar não é a mesma coisa que cuidar da organização de casa, ao contrário do que dizem Sartori e Temer. As finanças públicas não são simples como itens em lista de compras, que se pode riscar à vontade.

O argumento inicial, que calcava a proposta de fechamento das fundações estatais do RS, era o de economizar para “desinchar” a máquina pública. Supostamente o custo das fundações seria discrepante dos resultados apresentados. Assim, algumas delas poderiam ser totalmente encerradas, outras poderiam ter servidores demitidos/realocados e seus serviços terceirizados, como no caso da Fundação de Economia e Estatística (FEE). Essa Fundação, que atua como uma espécie de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) local, e com o qual mantém parceria institucional, representa percentagem ínfima no orçamento estatal (menos de 0,08%). A bem da verdade, a FEE custa infinitamente menos do que vale.

Outro argumento, favorável ao fechamento, é que a FEE não é lucrativa. Ora, a FEE não é uma empresa preocupada em gerar e girar capital para se reproduzir. Além disso, pesquisa, produção e organização de dados devem ser considerados investimentos, que dão claro retorno quantitativo e qualitativo. Em outras palavras, produzir conhecimento é intrinsicamente benéfico, o é por si só. E, mesmo que a FEE não gere lucros, ela, em vários aspectos, previne gastos. Ao repassar os serviços prestados para empresas de consultoria, complica-se com mais demandas o que se diz simplificar, através da necessidade de licitações, manutenção de contratos temporários e assim sucessivamente. Além disso, passa-se a pagar por tarefa o que antes era uma dentre várias competências, perdendo-se qualidade com, provavelmente, aumento de custo. Mas, muito além do econômico, o mais importante aspecto de uma fundação como a FEE é seu caráter fidedigno. Os dados estatísticos produzidos são presumidamente confiáveis por todas as partes, porque não há objetivo particular envolvido. À FEE não interessa dizer que tal é A ou B, apenas que tal é. Exemplo de seu compromisso ético é a clausula de confidencialidade de informações que a Fundação mantém com o IBGE. Assim posto, o absurdo do raciocínio evidencia-se: o público passa a ser tutelado por terceiros, que informarão ao Estado como este se constitui. É literalmente sintomático, dos problemas causados, que até agora o governo não tenha publicado o Produto Interno Bruto (PIB) de 2017, calculado justamente pela FEE.

Ainda, a instituição foi recentemente “oxigenada”, através da aposentadoria de servidores antigos e do ingresso de novos concursados. Processo de seleção oneroso e trabalhoso a ser tornado inútil, algo radicalmente incongruente com a tentativa de “gestão eficaz”. Por sinal, uma das disputas jurídicas, envolvendo seu fechamento, foi estabelecer aqueles que ainda não haviam adquirido estabilidade. Essa queda de braço foi escandalosamente perdida pelo governo por meio de liminar. A nítida ignorância acerca da vida pública aparece, novamente, ao crer que, uma vez autorizada a extinção, proceder-se-ia automaticamente às demissões. Ora, não se faz demissão em massa, especialmente em situação extremamente heterogênea, sem um mínimo acordo sindical. Diferentemente da gestão de casa, para relembrar a comparação descabida, não é tão simples “fechar as portas”. As posições do governo são tão infundadas, de maneira geral, que seu outro pilar de “reforma” das contas estatais, a tentativa de negociação da dívida frente à esfera federal, foi veementemente negado pela União. Enfim, foi com requintes de caricata crueldade que a proposta de extinção das fundações utilizou estatísticas da própria instituição que tinha como alvo.

Finalizando, cabe ressaltar que o prestígio da instituição é expresso, inclusive, na edificação que ocupa, um patrimônio arquitetônico sob regime de tombamento. Sua biblioteca representava importante acervo histórico, bem como a rica e gratuita oferta de conteúdo disponível em seu sítio eletrônico. A excelência da FEE é igualmente demonstrada por seus integrantes: passaram pelo seu mais alto cargo de chefia, por exemplo, uma presidente da República e uma reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ainda, a carta aberta, “A defesa da FEE é a defesa do interesse público”, assinada por 8 (oito) ex-presidentes das mais diversas ideologias, reforça que sua importante existência está muito além de interesses político-partidários, posto que o bem comum é finalidade superior e o patrimônio “feeano” constitui-se precisamente disso.

Tendo-se exposto o que consta acima, só se pode esperar que a grandeza de mais de 40 anos da FEE não seja apagada de maneira tão esdruxula, por um governo que, ao ver-se na encruzilhada onde o reparo ainda era possível, optou pelo caminho ao precipício e em sua direção marchou à galope.

É esse o legado lamentável de José Ivo Sartori à frente da administração do Rio Grande do Sul.