Do golpe político-jurídico-midiático à ditadura escancarada - Por Paulo Alentejano

08/11/2016 23:53

Paulo Alentejano – Professor de Geografia da UERJ/FFP e Vice-Presidente da Associação de Docentes da UERJ – Asduerj

 

No rastro do golpe político-jurídico-midiático, a generalização da violência, da repressão e da destruição de direitos políticos e sociais se aprofunda e aponta para uma nova era de ditadura do capital no Brasil. Ou nos mobilizamos já para deter esse processo ou em breve viveremos (e morreremos) numa ditadura escancarada.

Muitas linhas já foram escritas sobre o caráter do golpe em curso no Brasil e há uma forte dose de consenso entre os que advogam a tese do golpe de que este teve em seus primeiros movimentos um caráter político-jurídico-midiático, isto é, combinou movimentos nas esferas: (1) político-partidária, com a reorganização das alianças no âmbito do Congresso Nacional de forma a assegurar maioria parlamentar para o processo de cassação do mandato da presidente Dilma Roussef; (2) jurídica, com a criminalização seletiva de lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT), apesar da generalizada corrupção do sistema político-partidário brasileiro; (3) midiática, com uma sistemática campanha contra o PT, com o claro intuito de criar um ambiente de profunda rejeição a forças de esquerda na sociedade brasileira, em que pese o PT já não ser assim tão esquerdista quanto o foi em outros tempos...

Evidentemente há os que rejeitam a tese de que houve um golpe no Brasil, mas estes, com raras e curiosas exceções, foram os que o deram, apoiaram e estão dele se beneficiando. Não reconhecerem que o que deram foi um golpe não é novidade na história brasileira, afinal até hoje os militares e seus apoiadores/patrocinadores denominam o golpe de 1964 como “A Redentora”, uma “revolução feita para livrar o país da ameaça do comunismo”.

O fato é que passadas as eleições municipais, aprofunda-se o caráter violento, repressor e antidemocrático do golpe. Transformando a fragorosa derrota eleitoral do PT em autorização popular para intensificar os processos de repressão e supressão de direitos políticos e sociais, as forças golpistas – coalizão PMDB-PSDB-DEM e aliados menores, poder judiciário, aparato policial e grande mídia – desencadeiam uma onda ainda mais violenta de ataques aos direitos políticos e sociais no Brasil, com o intuito não de restaurar, porque o neoliberalismo nunca deixou de nortear as ações dos governos petistas, mas de aprofundar a lógica neoliberal no país.

A brutal repressão às ocupações de escolas por estudantes, que já envolveu até autorização de tortura por um juiz que determinou corte de água, luz e gás e uso de sirenes para impedir o sono em escolas ocupadas, é certamente uma dessas expressões.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do corte de gastos, 241 na Câmara e agora 55 no Senado, é mais um exemplo de ataque aos direitos sociais. O que se quer é desmantelar as políticas sociais de caráter universal instituídas a partir da Constituição de 1988 – embora nem sempre totalmente implementadas – que permitiram elevar os gastos sociais (saúde, educação e seguridade social) no Brasil de um patamar de 10% nos anos 1980 para 25% do PIB na atualidade, para que estes recursos sejam novamente apropriados pelo capital – como se não bastassem os 45% do orçamento já amealhados por este só com o pagamento de juros da dívida pública.

Tal lógica de “austeridade” vem sendo seguida por governos estaduais, como o do Rio de Janeiro, que no rastro do reconhecimento pela Assembleia Legislativa do “Estado de Calamidade Financeira” – desvirtuando totalmente o sentido da lei de calamidade que prevê desastres naturais imprevistos e não mais do que anunciadas incompetências, fraudes e roubalheiras – propôs um brutal pacote de medidas que atacam diretamente o serviço e os servidores públicos e eliminam políticas sociais de transporte, moradia, alimentação e renda.

O sentido geral destas medidas de “austeridade” como a mídia golpista as classifica é muito evidente: reduzir a parcela do orçamento público destinado aos gastos sociais para assegurar a máxima rentabilidade ao capital, em especial ao capital financeiro, sempre aquinhoado pelo pagamento régio dos elevados juros da dívida pública; e abrir mais espaços para o avanço do capital privado sobre as áreas sociais, com a privatização crescente da saúde (menos recursos para saúde pública = mais mercado para os planos de saúde privados), da educação (menos recursos para escolas e universidades públicas = mais mercado para escolas e universidades privadas) e da previdência social (menos recursos para as aposentadorias = mais mercado para os planos privados de previdência).

Da mesma forma, as sucessivas e crescentes “desonerações tributárias” ou “isenções fiscais” sangram os cofres públicos de recursos enquanto ampliam os lucros das grandes empresas e até de pequenas, desde que com boas relações com os governos de plantão, como mostram o exemplo do Rio de Janeiro, onde termas e salões de beleza também foram beneficiados com isenções fiscais.

Por sua vez, a onda repressiva teve um de seus mais brutais episódios no final da semana passada, quando a pretexto de capturar dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com mandatos de prisão expedidos pela justiça do Paraná, duas escolas do MST foram atacadas pela polícia civil dos estados do Mato Grosso do Sul e de São Paulo. No caso de Mato Grosso do Sul um centro de formação foi cercado por horas pela polícia. No caso de São Paulo o episódio foi ainda mais grave, pois os policiais – sem mandado judicial específico – invadiram a Escola Nacional Florestan Fernandes atirando (com balas de verdade) e por pouco não houve uma tragédia no local, onde duas pessoas foram presas – uma mulher e um idoso que sofre de mal de Parkinson – e várias outras agredidas. A ação – típica das que as polícias brasileiras realizam cotidianamente nas favelas e comunidades populares das periferias das grandes cidades brasileiras – foi prontamente rechaçada por centenas de organizações políticas e movimentos sociais do mundo todo, graças à ampla rede de solidariedade que o MST e a ENFF – onde estudam todos os anos centenas de latino-americanos, africanos e asiáticos – cultivam, graças a seu trabalho em defesa da reforma agrária e da democratização da terra e da sociedade brasileiras.

Estas ações de criminalização de movimentos sociais como o MST tem se intensificado, numa perversa articulação entre polícia, judiciário e mídia que manipulam fatos e dados para caracterizar mobilizações voltadas para a democratização da terra como ações criminosas. Assim, já são dez militantes do MST presos nos estados de Goiás e Paraná sob acusação de pertencer a uma “organização criminosa”.

Casos de infiltração de policiais à paisana em manifestações e assembleias estudantis e de trabalhadores também tem se multiplicado, demonstrando que os velhos métodos repressivos tão comuns na ditadura empresarial–militar que vigorou nas décadas de 1960 a 1980 no Brasil estão mais presentes que nunca.

 

Urge nos mobilizarmos contra isso, antes que seja tarde demais para deter a escalada de repressão, violência e ataque aos direitos sociais e políticos desencadeada pelo golpe e este se transforme em ditadura escancarada, com o respaldo da mídia, do congresso e do judiciário, o que, aliás, também não é novidade no Brasil...   

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